Todos os anos, por altura do verão, a população de Arcos de Valdevez praticamente duplica. Vindos de França, Suíça e Luxemburgo, mas também dos EUA, os emigrantes animam a vila e dinamizam os negócios, incluindo o imobiliário. Num ano em que as viagens podem ser adiadas ou canceladas, como estão as imobiliárias locais a reagir a uma possível quebra no volume de negócios?
Depois das restrições impostas pela pandemia, o verão pode não trazer as melhores notícias para as agências que têm, no mercado da emigração, uma grande fatia da sua faturação.
Num concelho como Arcos de Valdevez, esta época do ano costuma ser aguardada com expetativa, não só pelos que querem rever os filhos da terra que trabalham fora do país, mas também pelas empresas locais, cujos negócios animam com este aumento sazonal da população.
Este ano, devido à Covid-19 e às restrições de circulação que ainda vigoram, muitos emigrantes podem optar por não voltar a Portugal no verão. Tentámos perceber se essa situação está a afetar três agências imobiliárias em Arcos de Valdevez.
Venâncio Fernandes, da Arcobarca, reconhece que “o número de emigrantes que está cá em Portugal neste momento é substancialmente diferente do de anos anteriores”. “É um número muito reduzido e até ao momento têm sido essencialmente emigrantes que já tinham contratos efetuados e até eventualmente com escrituras agendadas que não puderam concretizar durante os últimos 3 ou 4 meses e que nesta primeira abertura se deslocaram para tratar desses negócios”, explica.
O responsável pela Arcobarca revela que alguns emigrantes receiam vir a Portugal e outros virão, mas por menos tempo, o que condiciona, desde logo, a disponibilidade para visitas a imóveis. E, consequentemente, serão também menores as vendas concretizadas nesta altura do ano.
Nesta empresa, o peso das transações com emigrantes está entre os 40 e os 60%, esperando-se uma redução na ordem dos 50% nos negócios. Se até aqui a quebra se deveu ao facto de as pessoas não poderem viajar para Portugal, agora as preocupações são outras. Vindos de países como a França ou os EUA, mas também Bélgica, Holanda e Alemanha, estes emigrantes estão igualmente a ser afetados pela situação que vivem nos países onde residem.
“O impacto vai ser bastante grande”, admite.
Mercado nacional não é alternativa
Perante este cenário, será possível encontrar uma alternativa no mercado nacional? Esse foi o pensamento de Venâncio Fernandes quando, após as primeiras três semanas de confinamento, fez uma reunião com a equipa: “Falámos e acreditámos que íamos ter uma oportunidade de negócio, porque temos um portfolio muito grande de imóveis rústicos para recuperar para segunda habitação”.
“Durante os meses de confinamento alimentámos e trabalhámos essa situação. Disso resultou um número muito significativo de visitas de clientes para este tipo de propriedades. Obviamente que a minha expetativa hoje é bastante mais baixa, porque dessas visitas resultaram poucos negócios”, reconhece.
Na sua opinião, o confinamento levou a que muitas pessoas começassem a procurar algo fora dos centros urbanos, mas o entusiasmo inicial acabou por se desvanecer: “A concretização do negócio leva-as a pensar mais e tivemos situações de reserva e em que passados dois ou três dias as pessoas diziam que tinham estado a pensar e não avançavam”.
“Inicialmente tinha essa expetativa, de que o mercado de segunda habitação iria colmatar a diminuição do negócio com os emigrantes, mas estou muito cético relativamente a essa questão. Estou convicto de que, mais tarde, esse mercado terá algum impacto, mas não vai ser nos próximos meses”, considera.
O responsável pela Arcobarca, não desanima, mas partilha com tantos outros agentes imobiliários alguma incerteza em relação ao momento da retoma: “Temos noção de que não vai ser fácil, mas estamos convictos de que vamos conseguir retomar o normal funcionamento da atividade. Não sabemos é quando…”.
Esperar para ver, mas com os olhos no turismo
Jorge Amorim, da Valdovez, diz não ter ainda dados que lhe permitam tirar uma conclusão quanto à dimensão de uma eventual quebra nos negócios imobiliários com emigrantes.
“A nossa sensibilidade, e por aquilo que temos falado com alguns emigrantes, porque também fazemos gestão de rendas, é que a maior parte deles conta vir. A maioria vem de países como França, Luxemburgo, Suíça. São maioritariamente europeus e acho que esses conseguem e têm maior facilidade em vir passar o verão ao concelho. Os emigrantes dos EUA e do Canadá não costumam vir muito nos meses de verão, mas nesses dois países haverá uma quebra muito grande e estamos conscientes disso”, admite.
Lembra que em Arcos de Valdevez “o setor de emigração tem impacto tanto no imobiliário como no resto do comércio local, restauração e hotelaria” e considera, por isso, que “se houver uma quebra isso pode refletir-se agora nos meses de setembro e outubro, porque os negócios feitos agora só são concretizados mais para o final do ano”.
Na sua empresa, mais de metade dos negócios são feitos com emigrantes ou ex-emigrantes, incluindo os que passam parte do ano em Portugal. “Também temos uma vertente de construção e reabilitámos dois pequenos prédios no centro histórico de Arcos de Valdevez. Em 15 frações, mais de metade foi vendida a emigrantes e ex-emigrantes”, conta.
Agora que parece quase certo que o volume de negócios pode diminuir, há que pensar em eventuais alternativas e Jorge Amorim tem estado atento a outras tendências que podem minimizar um possível impacto causado pela ausência de emigrantes.
“Temos vindo a notar algum investimento na parte do alojamento local e é precisamente nisso que nos temos focado. São clientes que já investem numa perspetiva de rendimento, não de segunda habitação. Por estarmos próximos do Parque Nacional da Peneda-Gerês acaba por ser um bom local para férias de natureza e isso tem vindo a aumentar. Há muita gente, não só arcoenses, mas também de fora, que tem investido no turismo e alojamento local”, revela, admitindo: “Não compensa a perda, mas é uma alternativa”.
Natureza atrai estrangeiros
Luís Amorim, da Imoli, também está atento a quem se interessa pela natureza, seja para férias ou para viver durante o ano. Por enquanto, e no que respeita à vinda dos emigrantes, está a lidar com duas situações diferentes.
“Em termos de emigração da Europa não estamos com problemas, estamos a fazer escrituras, desde abril, com emigrantes que chegam de França e também do norte da Europa, incluindo não emigrantes, ou seja, estrangeiros que investem em Arcos de Valdevez. Fizemos duas escrituras destas nos últimos 30 dias”, revela.
Mas quando se fala em emigrantes vindos de mais longe a realidade é outra: “O nosso problema está realmente na zona dos EUA, que é outra componente forte de emigração aqui nos Arcos de Valdevez. Para já começaram a abrir as viagens, mas estão a preços muito exagerados. Os voos são poucos, as pessoas estão a adiar a vinda para Portugal e provavelmente este verão não vêm cá. Tenho alguns negócios encalhados devido a essa situação”.
A Imoli, apesar de ter vivido em março e abril “meses preocupantes”, parece estar já de regresso ao ritmo pré-pandemia: “No final de abril já conseguimos realizar negócios e escriturar e em maio e junho parecia que não tinha acontecido nada. Está tudo igual. Não notamos quebra nas leads, até pelo contrário, achamos que temos maior taxa de oportunidades criadas, tanto de cidadãos nacionais como emigrantes mas também cada vez mais os estrangeiros, sobretudo nórdicos”.
E é justamente neste mercado que parece estar a alternativa para uma eventual quebra nos negócios com emigrantes. Luís Amorim fala de uma “grande comunidade de holandeses, belgas, franceses, ingleses, dinamarqueses, com casinhas de turismo ou de férias, que passam aqui uma temporada e outra no seu país”.
“Todos eles têm normalmente um elo em comum que é serem amantes de turismo de natureza, ecovias, rios, montanhas, ruralidade”, explica, revelando uma nova realidade no concelho do Alto Minho.
“Estamos a falar de pessoas com mais de 50 anos, que trazem sempre outras pessoas com eles. Os amigos passam férias aqui e depois também querem comprar, porque se apaixonam por isto”, conta, revelando que o “passa a palavra é um dos fatores que podem explicar este grande interesse por parte de estrangeiros”. Mas não só: “Há uma aposta muito grande do município de Arcos de Valdevez em investir na promoção no concelho e faz essa promoção muito bem lá fora, tanto nas comunidades emigrantes mas também nesses países. O concelho teve uma página nas revistas da TAP e isso trouxe de facto imensas pessoas”.
Luís Amorim conta que Arcos de Valdevez é um concelho muito disperso, com freguesias a 40 quilómetros do centro da vila, já na montanha. “Esses imóveis que tínhamos em lugares mais remotos só são vendidos normalmente a pessoas da freguesia, que são cada vez menos, emigrantes que têm alguma ligação àquela freguesia, mas mesmo esses compram casas de férias no centro da vila. Mas sobretudo essas casas mais remotas estão a ser compradas por estes clientes estrangeiros que procuram o sossego, a natureza, o isolamento. São eles que estão a repovoar as nossas freguesias”.
As fronteiras estão abertas, diz o Governo
A incerteza quanto à vinda dos emigrantes mantém-se, isto numa altura em que muitos já estariam a chegar ou a preparar a viagem de férias.
A secretária de Estado das Comunidades, Berta Nunes, sublinhou, recentemente, que “Portugal é um país seguro” e que as fronteiras estão abertas: ““Onde estão as principais comunidades – Alemanha, Suíça, França, Luxemburgo –, não há qualquer problema em vir e voltar, exceção para a situação do Reino Unido, que temos esperança que se venha a alterar”, afirmou.
Com agosto a chegar, não resta muito tempo para que, quem ainda não se decidiu, possa voltar a Portugal e, quem sabe, encontrar a casa de sonho.