Porque é importante prevenir o branqueamento de capitais no imobiliário?

Na área imobiliária a formação em prevenção do branqueamento de capitais é, para além de obrigatória, bastante útil para o dia-a-dia de um mediador.

Autor: Redação
4 de março de 2020
Para um profissional do setor imobiliário, ter formação em prevenção do branqueamento de capitais é saber identificar riscos e situações que podem colocar em causa a sua carreira e reputação.

Sabe como identificar uma potencial situação em que a venda de um imóvel possa ser uma forma de branquear capitais, ou seja, de usar, para fins legais, dinheiro que foi obtido ilicitamente?

Sabia que, ao permitir esta prática, estará a arriscar a sua carreira e a reputação da sua empresa?

A formação em Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo no âmbito da Mediação Imobiliária é, além de obrigatória, bastante útil para os profissionais de um setor que, por envolver transações de montantes elevados, é mais permeável a situações que podem configurar um crime.

Ricardo Matos Fernandes, advogado e formador nesta área, explica que a mediação imobiliária está enquadrada numa das atividades que a Lei 83/2017 considera ser de risco para a prática deste tipo de ilícito. Na verdade, esta lei é a transposição parcial de diretivas comunitárias e vai ao encontro da legislação internacional nessa matéria. Muitas dessas leis, por seu lado, têm como base recomendações do Grupo de Ação Financeira (GAFI), composto por 35 países e duas entidades.

Esta instituição, após décadas de estudo e investigação nesta área, estabeleceu padrões internacionais contra o branqueamento de capitais, que procuram reforçar as obrigações em situações de risco mais elevado.

Em Portugal, como noutros países, a mediação imobiliária surge como uma área que requer cuidados especiais.

O sector imobiliário e a formação em prevenção de branqueamento de capitais

“Se pensarmos naquilo que é a transmissão de um imóvel, a intervenção organizacional começa justamente com o mediador imobiliário”, sublinha Ricardo Matos Fernandes, lembrando que o processo – bem como as obrigações decorrentes da lei – se estendem também a advogados, notários, solicitadores e conservadores.

“Portanto, faz todo o sentido que quem opera no dia-a-dia nas transmissões de imóveis tenha formação e conhecimento sobre quais os deveres que tem de cumprir com vista a evitar ver-se envolvido num processo de branqueamento de capitais”, explica.

Os conhecimentos adquiridos nesta formação farão com que, no seu dia-a-dia, os mediadores imobiliários possam estar mais preparados para “ponderar e adotar comportamentos em função do risco”.

E esse risco implica, por exemplo, permitir, mesmo sem querer, que dinheiro proveniente da corrupção ou de outras atividades ilícitas seja utilizado na aquisição de imóveis. Um risco que, na opinião de Ricardo Matos Fernandes, é maior em empresas imobiliárias de menor dimensão e situadas fora dos grandes centros urbanos.

“Estas mediadoras são, provavelmente, as que estão neste momento menos preparadas para que alguém, sabendo que existe aquela imobiliária que não tem as suas políticas de prevenção de branqueamento de capitais operacionalizadas, pense que é o melhor local para se iniciar um processo de branqueamento”, justifica.

Por outro lado, as empresas de mediação imobiliária que têm muitos clientes internacionais têm, igualmente, um risco acrescido de se verem, ainda que inadvertidamente, envolvidas neste tipo de processos.

Deveres de informação

Através da formação, é possível perceber quais as situações que podem indiciar a prática de branqueamento de capitais usando, para o efeito, uma transação imobiliária.

“Os deveres que constam da lei são deveres que visam, desde logo, a própria adoção de uma política de atos que previnam de alguma forma o branqueamento de capitais”, explica o formador.

E que atos são estes? “Vão desde a identificação dos clientes e de atuar em função do cliente que temos à frente. Por exemplo, ele é originário de um país de alto risco em termos de branqueamento de capitais? Ou não?”.

Depois de feita essa avaliação de risco, e de outros procedimentos e processos com ela relacionados, e de se concluir que existe uma operação suspeita, é necessário seguir protocolos que passam, por exemplo, pela comunicação com entidades como o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) ou Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária.

Ricardo Matos Fernandes reconhece que, “para as pessoas que não estão habitualmente envolvidas neste tipo de complexidade de processos, chamá-los a intervir é uma grande alteração no seu dia-a-dia” e que nem sempre as empresas, pela sua dimensão, estão aptas a lidar com estes procedimentos complexos.

Por outro lado, “é compreensível que exista alguma resistência quando se introduz esta pedra na engrenagem para quem está mais focado na área comercial e em encontrar bons clientes para os bons imóveis que conseguiu angariar”, reconhece.

No entanto, e enquanto formador e advogado, entende que é sua missão a sensibilização para adequar os comportamentos aos fatores de risco relacionados com potencial branqueamento de capitais.

Os riscos

Em Portugal, a criminalização do branqueamento de capitais começou nos anos 90, com a chamada Lei da Droga. Hoje em dia, “o conjunto de crimes que dão lugar a dinheiro ilícito e que é considerado branqueamento de capitais é muito mais vasto”.

Para além da corrupção, tráfico de seres humanos ou lenocínio, o branqueamento de capitais pode ter origem em situações que, embora ilegais, já se banalizaram, como vender o imóvel por um preço diferente do que foi declarado.

“É uma prática que, reconhecidamente, ainda está incrementada em muitos negócios. Temos que sensibilizar as pessoas que isso é um crime e que não é só fugir aos impostos. É também um crime de fraude fiscal e que o dinheiro proveniente desse negócio e a sua integração na atividade económica constituem um crime de branqueamento de capitais”, revela.

Multas e penas

E, como sempre, o crime não compensa: “A listagem de comportamentos que constituem contraordenações é muito grande. As sanções que estão previstas para pessoas coletivas vão de 5.000 euros até um milhão de euros e para pessoas singulares de 2.500 euros até um milhão de euros. Portanto, estamos a falar de uma penalização, seja qual for o comportamento”.

E se as multas podem ser dissuasoras, sobretudo para empresas de menor dimensão, as sanções acessórias são igualmente gravosas, podendo levar à interdição da atividade.

“A prática dos crimes de corrupção ativa ou passiva ou o branqueamento de capitais são fatores que podem determinar a perda da idoneidade, desde que tenham sido praticados nos últimos cinco anos contados a partir do trânsito da sentença”, lembra Ricardo Matos Fernandes.

A formação em prevenção do branqueamento de capitais é, no fundo, um alerta “para a necessidade de alterar um conjunto de condutas dentro de cada organização, de cada mediadora imobiliária”.

A ideia não é, de todo, desconfiar de todos os clientes e procurar, em cada negócio, uma atitude suspeita, mas sim “adequar os procedimentos das mediadoras em função dos fatores de risco de branqueamento de capitais e levar o branqueamento de capitais a sério”.

Além das sanções financeiras e criminais, pactuar com o branqueamento de capitais tem, também implicações morais e ao nível da reputação da empresa.

“É óbvio que – e falando na área da mediação imobiliária e no ramo imobiliário – o objetivo primeiro é fazer negócio. As pessoas têm que ganhar a vida. Porém, o ganhar a vida tem que ser sustentável e isso implica que não tenha uma participação numa atividade criminosa. E não podemos esquecer que, quando facilitamos uma atividade criminosa, estamos a ser coniventes com ela e o grau de conivência pode levar inclusive à prática do próprio crime”, revela.

No fundo, combater a utilização de dinheiro ilícito é uma forma de desincentivar a atividade criminosa: “O propósito é sempre este: manter o branqueador sentado sobre o dinheiro que obteve ilicitamente sem poder fazer nada com ele. Esse é o propósito da lei de branqueamento de capitais”, sintetiza.

Em que consiste a formação em Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais

A formação em Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais tem a duração de 10 horas e permite que os profissionais deste setor possam, não só conhecer a legislação referente à Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo no âmbito da Mediação Imobiliária, como os procedimentos a adotar.

Saber o que fazer para detetar eventuais situações de risco e perceber quais são as declarações obrigatórias, prazos, fiscalização e coimas são conhecimentos essenciais para quem trabalha nesta área.

Formação obrigatória

Segundo o artigo 11º do Regulamento 276/2019 do IMPIC, os dirigentes e colaboradores das empresas imobiliárias que exerçam funções relevantes devem obrigatoriamente frequentar formação nesta área.

A frequência depende do número de colaborares:

• Entidades com 1 a 5 colaboradores devem frequentar uma ação de formação a cada dois anos civis;

• Se tiverem 6 a 10 colaboradores devem frequentar uma formação por cada ano civil;

• Entidades com mais de 10 colaboradores podem receber formação de forma rotativa e adequada, com um mínimo de uma ação por ano civil.

Ainda de acordo com a lei, o incumprimento dos deveres é punível com coimas que vão dos 2.500€ a 1.000.000€, conforme se tratem de pessoas singulares ou pessoas coletivas.

A lei contempla ainda a possibilidade do encerramento do estabelecimento, interdição ou inibição temporárias para o exercício da atividade.

O formador

Ricardo Matos Fernandes é advogado com pós-graduação em Fiscalidade e em Gestão de Recursos Humanos, trabalhando, nos últimos 18 anos, em áreas do Direito ligadas à atividade empresarial, nomeadamente na área da mediação imobiliária.

Desafiado a ministrar esta formação, foi aprofundando conhecimentos e percebeu que este era um tema que o entusiasmava bastante.

“Está aqui criado um mecanismo com um impacto social muito grande”, considera, confessando que está bastante satisfeito por desenvolver uma ação com um impacto positivo: “Ajuda as pessoas, por um lado a cumprir a lei e por outro lado as empresas a serem melhores e a ter uma responsabilidade social maior no que toca à sua atuação, a serem vistas socialmente com mais respeito, com mais consideração”.
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