Os novos desafios para segurança e saúde no trabalho

O regresso à atividade presencial do setor imobiliário, feita ainda num contexto de pandemia, traz desafios ao nível da segurança e saúde no trabalho. Manuel Roxo, inspetor da ACT e especialista nesta área, partilhou alguns conselhos úteis.

Manuel Roxo (ACT)
Autor: Redação
8 de maio de 2020
O início de maio trouxe, ao setor imobiliário, o regresso à atividade presencial, ainda que com as naturais limitações destinadas a manter a segurança e saúde no trabalho e a evitar a propagação da Covid-19. 

A 14ª edição do Imobiliário em Direto, a 6 de maio, centrou-se no tema “Segurança e saúde no trabalho no regresso à atividade presencial das agências imobiliárias”, tendo como convidado um dos mais destacados especialistas nesse campo. 

Manuel Roxo, Inspetor do trabalho nos serviços centrais da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), é também autor de diversas obras sobre a matéria. Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, é Mestre em Direito das Empresas e possui especialização em Direito do Trabalho e pós-graduação em Ciências do Trabalho (Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa). 

Nesta conversa bastante esclarecedora, o inspetor da ACT começou por lembrar que o trabalho “está a mudar muito mais depressa do que alguma vez mudou”, pelo que entende que é necessário “acompanhar essa mudança e fazer com que ocorra da melhor forma possível para as condições de trabalho de cada um de nós”.

Os últimos 100 anos foram marcados por várias mudanças: “Começámos nas fábricas, depois saímos das fábricas e hoje vem uma pandemia destas e põe-nos a trabalhar em casa. Isto coloca problemas à vida de todos nós e à forma como nos relacionamos uns com os outros”.

“A própria noção de trabalho enquanto espaço fica distinta”, relembra, admitindo que esta pandemia mostrou que o teletrabalho pode, afinal, ser uma solução bastante exequível: “A tecnologia já existia, as pessoas é que não estavam familiarizadas com ela e agora tiveram de o fazer. Até pode ser que seja um fator de maior eficiência no trabalho, isto é, fazer com que o produto ou serviço final custe menos ou seja menos penoso”.

No caso concreto do imobiliário, lembra que existe “muita atividade que pode não exigir que o cliente venha ao escritório e pode ser feita à distância sem despesas de deslocação”.

Na verdade, este novo modelo de trabalho também chegou à própria ACT, uma instituição com cerca de 300 inspetores e 30 delegações que tem como destinatários 1,2 milhões de empresas e cerca de cinco milhões de trabalhadores. “O grande padrão do trabalho inspetivo da ACT eram as visitas presenciais aos locais de trabalho. O que se está a procurar testar é saber se há ou não campo para, em alguns casos, ter uma aproximação às empresas que possa ser feita à distância”, revelou.  

Uma realidade que “permitiria fazer um pouco mais com menos recursos”, mas que teria de assentar num aperfeiçoamento da “relação de confiança que possa existir entre os inspetores e serviços de inspeção e as empresas que estão sob a sua área territorial de controlo”. As visitas presenciais não podem ser dispensadas, mas pode ser encontrado um meio-termo, considera.  

Ou seja, os desafios que se colocam à mediação imobiliária são partilhados por outros setores, pelo que as alterações ao nível do trabalho acabam por ser transversais e podem até contribuir para encontrar novas formas de trabalhar, eventualmente ainda mais eficazes. 

As novas regras de segurança e saúde no trabalho 

As recomendações divulgadas pela ACT para proteger os locais de trabalho incluem um conjunto de regras essenciais à contenção do vírus, como o reforço das práticas de higienização, o distanciamento físico ou a utilização de equipamentos de proteção individual. 

“As orientações da DGS têm a ver com as características do vírus. Enquanto não houver vacina obriga-nos a modificar a nossa própria forma de trabalhar”, explica Manuel Roxo, admitindo que estas normas têm de ser traduzidas em reconfigurações nas empresas. 

“Isso exige um grande esforço de criatividade e de encontrar soluções e uma delas é esta: pode-se diminuir o risco organizando e distribuindo mais o trabalho para haver mais teletrabalho”, salienta, admitindo que “o distanciamento social é que cria mais problemas internamente”.  

O desfasamento de horários para que os espaços tenham menos pessoas em simultâneo e a relação com os clientes constituem também desafios para as empresas: “É possível ou não condicionar a vinda deles [clientes] às nossas instalações e como é possível gerir esses fluxos de entrada de pessoas nas instalações físicas?”.

“Isso é um exercício de criatividade que deve partir do princípio de que cada um, nas empresas, conhece melhor as necessidades de trabalho que tem e como as pode reacondicionar para que possam continuar a ser satisfeitas com a maior eficiência possível, senão de uma forma ainda mais eficiente”, considera. 

Planear bem as visitas 

No caso específico do setor imobiliário, surge ainda outro tipo de desafio: “As agências imobiliárias têm também outro problema, que é o das visitas aos locais que vão ser vendidos e as viaturas que vão ser utilizadas”. 

Nestas situações, Manuel Roxo diz que “os encontros vão ter de ser pré-arranjados”, aconselhando “algum controlo sobre o que vai acontecer e quais as características dos locais a visitar”. “Todo o desenvolvimento normal desses trabalhos tem de ser antecipado para ver como é possível fazer com que se faça com a minimização dos riscos de contágio entre as pessoas”.

O inspetor lembra que o mesmo se passa na ACT quando se realizam visitas às empresas. “Também temos de entrar nas viaturas e ir para os locais e muitos será a primeira vez que os visitamos. Tudo isso tem de ser mais antecipado agora”, salientou.  

Por isso, reforça que as adaptações devem ser feitas com base naquilo que cada empresa sabe sobre a sua atividade, apelando a alguma criatividade “para fazer os rearranjos possíveis para que decorra da melhor forma possível”. 

Regras como a lavagem frequente das mãos e a utilização de equipamentos de proteção individual exigem naturalmente várias adaptações, mas Manuel Roxo lembra situações como a tuberculose ou a gripe espanhola, que levaram igualmente a mudanças nos hábitos.  

Medição da temperatura

Uma das regras que mais dúvidas tem suscitado diz respeito à medição de temperatura. Manuel Roxo diz que esta obrigação de acompanhar o estado de saúde já existia. 

“Os trabalhadores, de acordo com a Lei de Segurança e Saúde no Trabalho, estão obrigados a fazer os testes que sejam necessários para garantir essa segurança e saúde. A medição de temperatura, embora seja uma coisa vulgar, é um teste”, explica.

A diferença é que, quando a fazemos em casa, a decisão quanto aos passos seguintes – tomar um chá, um comprimido ou ir ao médico – é pessoal. “O problema é que quando entramos na empresa tomam-se decisões sobre isso e isso é que tem de ser rodeado de alguns cuidados. Vamos imaginar a situação de a pessoa ter a temperatura de 38 graus e não poder trabalhar porque tem uma infeção visível. Como é que isso se considera uma falta justificada? Tem que ter um diagnóstico médico, porque senão a Segurança Social não paga a falta”.

“A resposta simples é: sim. Os trabalhadores estão obrigados a isso, mas tem algumas condicionantes. Tem que ser envolvido no âmbito daquilo que são as atividades de prevenção no domínio da saúde ocupacional. Não tem de ser feito por um médico, mas tem de ser feito sob controlo desse profissional, porque o médico é que nos pode proteger sobre a divulgação de dados, porque está obrigado a sigilo. Portanto essas decisões e os processos têm de ser tomados no âmbito dessa mesma atividade e com essa mesma supervisão”, considera. 

No entanto, e uma vez que as empresas mais pequenas não têm um médico em permanência, não faz sentido ter este nível de exigência. “É isso que consta das recomendações da ACT e da DGS. É que se fomente, por parte das pessoas, esse autocontrole de temperaturas porque é um dever de cada um de nós não transmitir a doença. Nas microempresas as relações entre as pessoas são mais próximas e até desejavelmente de maior confiança e, portanto, é de fazer com que as pessoas façam a sua medição de temperatura e no caso de terem um problema fazerem a ligação com a saúde 24 e comunicarem essas situações ao seu empregador”. 

Por isso, entende que este processo de medição é possível, quando “feito no contexto das atividades preventivas dos serviços de segurança e saúde no trabalho”.

Abrir ou não as portas? 

Uma das dúvidas colocadas durante a conversa prendia-se com a obrigatoriedade de proceder à reabertura física dos espaços agora que o Governo deu a necessária autorização.

“Não há obrigação legal de abrir portas. Cada um vai ter de decidir como se vai reorganizar para o futuro para fazer o seu próprio trabalho. Pode ter portas abertas ou trabalhar à distância”, esclarece.

Existem, no entanto, condicionamentos, nomeadamente no que se prende com os despedimentos: “Para despedir pessoas tem de ser de acordo com a lei. Não podem ser despedidas as pessoas ou alterado o conteúdo funcional sem obedecer a esses parâmetros todos. A lei dos despedimentos continua intocada naquilo que existia antes da pandemia. Nesse campo, todas as decisões de gestão são legítimas, com exceção daquelas que afrontem os direitos à segurança no emprego por parte dos trabalhadores”.

Assim, cada empresa deve reorganizar os seus processos de trabalho, “fazendo com que a estrutura física diminua a sua dimensão dentro da empresa”, mas com uma ressalva: “Devem ter em atenção que as pessoas com quem trabalham têm de reorganizar o seu próprio trabalho e manter a segurança do emprego”.

A fiscalização por parte da ACT

Neste período de pandemia a ACT voltou a ser bastante solicitada, sobretudo para esclarecer dúvidas das empresas e dos trabalhadores. Manuel Roxo admite que o seu trabalho, que passa por responder a questões que são dirigidas à entidade, “mais do que quintuplicou”.

E a ACT procurou estar preparada para responder da melhor forma: “Durante este período reforçámos muitos os serviços de informação, precisamente para poder haver mais informação disponível para as pessoas poderem decidir, com maior qualidade, sobre os seus processos de trabalho”.

Este aumento na procura por informação é, ressalva, bastante positivo. “Temos de ter um contributo para fazer com que o risco de contágio diminua. Se há alguma coisa que neste contexto nos seja pedida essa é uma delas. É que possamos ter uma intervenção com as metodologias o mais diversificadas possível, desde visitas presenciais, divulgação de informação ou dar conselhos às pessoas que os possam pedir”.

A missão da ACT ganha nova importância nestes tempos em que a reorganização do trabalho se torna imperativa. “O grande objetivo é fazer com que os locais de trabalho não sejam o sítio onde se vai potenciar maior capacidade de contágio do vírus. O segundo aspeto central tem a ver com a reconfiguração que possa existir, para que não haja atropelos aos direitos dos trabalhadores naquilo que lhes diz respeito, principalmente à sua segurança no emprego”. 

Os processos de lay-off estão, também, a exigir bastante atenção por parte da ACT: “É preciso termos a capacidade de garantir que os processos de lay-off estão a ser bem utilizados e utilizados para aquilo a que efetivamente se destinam. O Estado resolveu afetar recursos que são volumosos à manutenção do emprego através desses processos de apoio ao lay-off e tem que se ver se há, ou não há, alguma margem de alguns comportamentos que sejam desviantes relativamente a esse tipo de matérias”. 

Assim, além das dúvidas que podem ser colocadas através dos canais disponíveis e da divulgação de normas, a ACT mantem as visitas inspetivas no terreno sempre que isso for necessário.

Trabalhadores independentes 

Outra questão colocada durante a conversa versava os trabalhadores independentes sem qualquer vínculo laboral ou proteção relativamente ao seu emprego, mas com obrigações no âmbito da segurança no trabalho.

“Todo e qualquer prestador de serviços que viva exclusivamente ou economicamente dependente de uma dada empresa está abrangido pelas obrigações de segurança e saúde no trabalho. Isso tem um âmbito mais alargado do que o contrato individual de trabalho propriamente dito”, esclareceu.

Ainda assim, chamou a atenção para a necessidade de perceber se é esta realmente a situação, uma vez que “o que pode acontecer é que a fórmula encontrada não corresponda à fórmula real que está a ser praticada e isso põe um problema de eventual necessidade da reconfiguração da relação de trabalho”. 

Ou seja, há que analisar os casos vulgarmente designados como falsos recibos verdes: “Se for verdadeiro trabalho independente não está abrangido pelo Código do Trabalho e proteção ao despedimento, até porque não se pode chamar a isso de despedimento. Mas estes trabalhadores estão abrangidos, na medida em que possam ter relações de maior permanência com o empregador, pela obrigação de segurança e saúde no trabalho”. 

Como superar os desafios

Manuel Roxo deixou alguns conselhos aos mediadores imobiliários, lembrando que a ACT está sempre disponível para ajudar a esclarecer as dúvidas que possam surgir. 

“Temos de saber como o vírus se transmite e em função disso puxar pelas nossas cabeças e pelo conhecimento que temos das atividades de trabalho que desenvolvemos, equacionar qual o trajeto de trabalho que fazemos normalmente e como podemos melhorá-lo e acondicioná-lo melhor”, aconselha.  

O resultado deste esforço, da criatividade e da própria experiência que cada um acumulou será, na sua opinião, bastante positivo: “De certeza que vamos melhorar os nossos processos de trabalho, de certeza que vamos conseguir garantir confiança às pessoas que trabalham connosco e que se dirigem a nós. Quanto ao imobiliário, a confiança que têm de ter por parte dos clientes é que os processos que vão utilizar são seguros e adaptados à realidade que temos hoje, porque se não tiverem esse grau de confiança não vai correr bem”. 



Links úteis:

Portal da ACT: https://www.act.gov.pt/(pt-PT)/Paginas/default.aspx

Recomendações da ACT para proteger locais de trabalho: https://www.act.gov.pt/(pt-PT)/Itens/Noticias/Documents/19_MEDIDAS-280420.pdf

Decreto-Lei n.º 20/2020 de 1 de maio (Altera as medidas excecionais e temporárias relativas à pandemia da doença COVID-19): https://dre.pt/web/guest/home/-/dre/132883356/details/maximized?serie=I&dreId=132883354
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