Os novos desafios da comunicação na Mediação Imobiliária

Como se faz a comunicação na Mediação Imobiliária num cenário de distanciamento social? Rui Mergulhão Mendes, Especialista de Linguagem Corporal, deixa alguns conselhos para enfrentar os novos desafios.

Rui Mergulhão Mendes
Autor: Redação
30 de abril de 2020
A comunicação na Mediação Imobiliária não deverá, pelo menos a curto ou médio prazo, voltar a ser caraterizada pela proximidade, por apertos de mão que selam negócios, ou até por ver no rosto do cliente o sorriso de satisfação por um negócio concluído com sucesso. 

A Covid-19 trouxe o distanciamento físico, máscaras, luvas e viseiras e uma utilização mais generalizada de tecnologias para reunir, negociar e visitar imóveis. Como poderão os Agentes Imobiliários adaptar-se a esta nova realidade sem perderem as características que os tornam confiáveis perante os clientes?

Rui Mergulhão Mendes, Especialista de Linguagem Corporal e Deteção da Mentira trabalha há mais de 15 anos na área das ciências comportamentais e esteve, no dia 28 de abril, em mais uma edição do “Imobiliário em direto”. 

Dedicada ao tema “Novos desafios da comunicação: como as regras da interação influenciam a nossa perceção e quais as consequências para o negócio”, esta conversa iniciou um ciclo de discussões dedicado a apoiar as Agências Imobiliárias no seu regresso em pleno à atividade. 

Comunicação não-verbal: a sua importância na negociação 

As ciências comportamentais aplicam-se a todos os setores, e aspetos como a linguagem corporal acabam por ser transversais a todas as áreas. Acima de tudo, os Agentes Imobiliários são humanos e, por isso, desenvolvem os mesmos comportamentos que os seus clientes.

A diferença pode estar na consciência que tenham dessa situação e na atenção a detalhes, como saber que a nossa perceção é fortemente influenciada pela visão e que é com base nela que se tomam decisões. 

Ou em estar atento a pequenos sinais. Sabia, por exemplo, que ao contar um episódio um mentiroso raramente reproduz diálogos ou narra estados emocionais associados ao evento? 

Rui Mergulhão Mendes assegura que “as competências relacionais existem de forma inconsciente” e que, por isso, são importantes em todas as áreas. “As ciências comportamentais são de cariz universal, não existe uma diferenciação por sectores, ou actividades, são transversais a todos os seres humanos, diz, assegurando: “Não há um body language para a justiça, um para o imobiliário e um para os polícias. Não há uma psicofisiologia para cada um deles. A forma como comunicamos é muito idêntica, muda apenas consoante os contextos”.

E porque é importante saber isso? “As respostas comportamentais que damos são respostas geridas pelo nosso sistema nervoso autónomo que está no comando das operações, gere a forma como comunicamos, não controlamos estes aspectos”.

Um dado de extrema importância nas negociações e que, por isso, se aplica na perfeição ao setor da Mediação Imobiliária: “Se estamos a negociar uma casa, quando negociamos o preço, conseguimos através de uma serie de marcadores fisiológicos determinar se o outro gostou ou não do preço apresentado”. 

“Há uma série de alterações que se passam no nosso corpo e na nossa mente sobre os quais não temos controlo”, reforça o especialista, exemplificando: “Não se consegue controlar a transpiração, a aceleração do ritmo cardíaco, o esfregar as mãos [que é uma forma de pacificação], a aceleração da circulação do sangue em situações de stress, a dilatação das pupilas, entre outros aspectos”.

Saber estar atento a estes pequenos sinais é, para um Agente Imobiliário, uma enorme mais-valia. O especialista deixou mais alguns exemplos que serão certamente de grande utilidade nos exercícios da atividade profissional.

“Se eu estou a revelar o preço, ou qualquer outra característica da casa, e a pessoa exibir um micro sorriso (cerca de 1/3 a 1/5 de um segundo), e disser que não gostou… muito provavelmente o preço ou a característica apresentada é do seu agrado. A face revela-nos os nossos verdadeiros estados emocionais, mesmo que os tentemos camuflar.”, explica.

O mesmo se passa em relação à proxémia: “Estou a dar as características de uma casa e revelemos algum aspecto menos positivo ou do agrado do outro, este poderá ter tendência para se afastar, podem ser movimentos muito subtis, Porquê? Porque temos tendência para nos afastarmos daquilo que não nos atrai”. 

“Se eu tiver uma boa acuidade sensorial quando estou a dar as características do negócio ao meu cliente ou quando estou a fazer a qualificação do processo, consigo perceber como é que ele reage com o corpo”, justifica, dando outro exemplo.

“Se digo que a casa custa 350 mil euros e a pessoa ficar no mesmo sítio, não se afastar como aquando das situações menos positicas, mas me diz: ‘350 mil euros? Acho imenso, não estou disposto a dar tanto dinheiro’…Provavelmente o valor é do seu agrado, caso contrário teria tendência a reagir da mesma forma que reagiu aquando das características que não eram do seu agrado”.

Rui Mergulhão Mendes considera, por isso, que “primeiramente há que identificar o padrão de base de cada individuo” para depois perceber quando se desvia desse padrão e, assim, ajudar a identificar o que este poderá estar a sentir. 

A importância do rosto

A obrigatoriedade de usar máscara em contextos sociais pode dificultar esta leitura sobre o cliente ou interlocutor, até porque não nos deixa ver totalmente o rosto, que é uma parte importante da comunicação não-verbal. 

“Quando somos expostos a uma face pela primeira vez, necessitamos apenas de uma décima parte de um segundo para registarmos o que aquela face representa. É como se tivesse uma base de dados no cérebro onde estão todas as caras com que eu interagi. Quando sou exposto aquela cara, vou à minha base de dados e analiso: com base na minha aprendizagem e no meu conhecimento, o que esta face me induz? E vamos tirar daqui índices comportamentais, como a assertividade, a criminalidade percebida, o nível de confiança, de domínio, de introversão, de extroversão, de ameaça, entre outros”, explica.

Rui Mergulhão Mendes reconhece que esta avaliação pode ser um erro e levar-nos a  perceções erradas ou menos correctas, contudo, refere que “é com base nesta perceção que vamos adotar o nosso comportamento”.  

O especialista alerta também para o facto de ser muito difícil mudar essa perceção: “Somos muito teimosos nas questões associadas às nossas perceções, queremos estar certos daquilo que achamos e ter razão naquilo que percecionamos. Passamos o tempo à procura dos sinais que possam validar as nossas percepções”.

Este facto é importante porque, se a outra pessoa o percecionar como uma ameaça, vai adotar uma comunicação mais distante, mesmo que a ameaça não exista.  

Outro conselho importante, é que a forma como se comunicamos, “Se não acreditar naquilo que estou a vender, não vou conseguir vender. Se não acredito naquele negócio, se sei que aquela oportunidade, pelas mais variadas razões não responde às necessidades do outro, vou estar a dar uma série de indícios na minha comunicação que não são de acordo com o que eu estou a comunicar. E se há coisa em que os humanos são bons é a analisar incongruências entre o que comunicamos e o que dizemos”.

E como se processa essa alteração na comunicação? “Por vezes podemos não o fazer ao nosso nível consciente. Se estiver a dar ênfase a coisas em que não acredita, a comunicação é diferente, a voz é diferente. E se souber estar atento a estes sinais – e não é necessário ser expert – vou registar uma incongruência”.  

Confiança na semelhança

A visão é igualmente importante porque há um mecanismo cerebral que faz com que se confie mais em pessoas semelhantes ou que se comportem de forma idêntica: “Estudos mostram que tendemos a ligar-nos a pessoas com estruturas faciais mais próximas das nossas. O cérebro reconhece padrões de igualdade, entende que se formos iguais, somos mais confiável”.

Por isso é que a imitação da postura do outro – ou o rapport – podem ser úteis: “Se entro numa reunião e começo a espelhar a outra pessoa, o que é que isto pode levar inconscientemente ao outro? Que tem à sua frente uma pessoa que é igual a si, então essa pessoa é confiável, existindo assim a tendência a baixar os meus níveis de alerta”, exemplifica.

O cérebro gosta de estados de equilíbrio e sente-se desconfortável com o conflito; saber isto é importante não só para poder levar uma negociação a bom termo, mas também para não ser apanhado de surpresa quando se é vítima desse desconforto.

“Imagine, que a dada altura, eu desfaço esse rapport, começo a movimentar-me de outra forma, a falar mais alto, a desviar o tema da conversa. Quebrando assim o rapport anteriormente estabelecido. Inconscientemente, na tentativa de recuperar esse estado, a outra parte poderá ter tendência a fazer cedências, a dar aquela informação que não estava disposta a dar para restabelecer o nível de rapport entretanto perdido”.

A máscara é um obstáculo à comunicação? 

Com a utilização de máscaras perde-se muita da informação essencial à comunicação, o que também pode levar ao desconforto: “Inconscientemente o nosso cérebro vai querer estabelecer relação com a outra pessoa, e o feedback facial tem um papel primordial na relação. Sem este feedback, poderemos imaginar que a ligação não se estabeleceu, e teremos tendência a fazer cedências, para estabelecer uma relação que eventualmente já está estabelecida” É preciso ter atenção a isto”, alerta.

Rui Mergulhão Mendes propõe, por isso, um exercício que costuma sugerir nas suas formações: “Aguardem que um familiar ou colega comece a contar uma história e façam poker face e não deem feedback facial. A pessoa vai tentar perceber o que se passa, se estamos a ouvir. Ou seja, não estão a ter a resposta emocional que nós estamos habituados a dar”.

O especialista aponta ainda um outro exemplo. Imagine que vai ao Dubai. Vai cruzar-se com muitas pessoas com vestes compridas, mãos escondidas e rostos tapados: “A nossa atividade cerebral aumenta drasticamente, porque vemos pessoas com as mãos escondidas - e somos muito hábeis a avaliar o comportamento das mãos - para além de nos depararmos constantemente com faces que não validam a nossa base de dados de caras. E isso deixa-nos desconfortáveis”. 

Algo muito semelhante à nova realidade trazida pela Covid-19: “Agora vamos estar expostos a uma série de desconfortos, porque vamos comunicar de maneira diferente”.

Por isso deixa um conselho: “Estejam conscientes destes desconfortos. Não façam cedências do ponto de vista da negociação, da comunicação e da interação, porque esse desconforto pode ser causado por estes factores externos e não pelo conteúdo da própria comunicação. Tenham atenção para não se sentirem desconfortáveis pelo facto de não estarem a receber o feedback comummente recebido”.

O distanciamento

Outra alteração ao relacionamento interpessoal trazido pelo novo coronavírus é o distanciamento físico. E esta distância constitui, inevitavelmente, mais um entrave à comunicação.  

“Não comunicamos da mesma maneira se estivermos próximo ou longe. Quando damos informação sobre características positivas da casa, tendemos a aproximamo-nos um pouco mais, quando nos fazem perguntas sobre a casa de banho não ter uma janela, se calhar afastamo-nos porque é um aspeto negativo”, exemplifica.

A proximidade, que poderia facilitar a negociação, desaparece. E o distanciamento traz novas “armadilhas” para um Agente Imobiliário: “Não vamos ter a capacidade de estar à distância de um toque e vamos perder informação. Por isso, vamos ter tendência a querer aproximar-nos mais mentalmente para compensar a distância física. E isso pode acontecer através de cedências, de dar informação que não estávamos dispostos a dar. Toda a gestão do nosso processo negocial pode vir a sofrer alterações”, avisa.  

O toque

A distância impossibilita o toque e impede também outro tipo de comunicação feita através dos sentidos. “Quando damos um aperto de mão temos tendência a passar a mão perto do nariz, para sentir o odor do outro”, explica Rui Mergulhão Mendes.

“O odor é mais um dos canais que nos transporta informação e o facto de o perdermos, bem como ao toque, faz com que passemos a comunicar de outra maneira. Temos de desenvolver uma boa consciência da nossa presença e estar seguros do que queremos para que não haja uma grande dissonância entre aquilo que nós éramos e aquilo que vamos ser agora”, aconselha.

A comunicação digital

Numa altura em que muita comunicação é feita através de plataformas digitais, há cuidados a ter, porque, mesmo à distância, é preciso ter noção de uma série de questões que podem dificultar a comunicação. 

Uma delas é aproximar demais o rosto do ecrã. Este simples gesto pode parecer, a quem está do outro lado, uma invasão do espaço.

“Se eu estiver numa reunião presencial e invadir o espaço proxémico o outro vai rapidamente restabelecer a zona de distanciamento”, lembra. “Quando estamos a usar o Zoom ou outra plataforma digital, a nossa proxémia também é relevante. Se eu me aproximar da câmara, as pessoas vão afastar-se ou empurrar o telemóvel para trás. Isto passa-se no digital como se passa no presencial”. 

A voz transmitida por via digital é também diferente da que ouvimos quando falamos pessoalmente com alguém e esse é mais um fator causador de dissonância na perceção.  

Mas há mais exemplos da forma como, ao comunicar através de ecrãs, se perde muita da informação essencial para saber interpretar o feedback dado pelo interlocutor. 

“Quando estamos numa comunicação direta e o nosso corpo deixa de estar alinhado com outra pessoa, ou seja, se os pés mudarem de posição, é um forte indicador de que eu tenho de sair. Por exemplo, eu posso estar o tempo todo voltado para o lado, mas se o umbigo ficar virado para a frente é nesse ponto que está o meu interesse. Nos canais digitais vamos estar muito mais centrados na face e vamos ter muito mais perceção do que o feedback facial ou expressão facial do outro nos comunica. Há que ter atenção a isso”, revela.

É importante estar atento a todos estes detalhes, mas tentar controlar todos estes aspetos da comunicação não-verbal pode ser um enorme erro: “Se quer controlar a face, vai refletir-se na voz, se alterar a voz reflete-se no corpo”, avisa o perito.

A solução 

“O digital vai mudar a nossa perceção, vamos ter que aprender a comunicar e vai ser um desafio”, resume.  

Aprender novas competências, reconhecer os pontos em que é preciso melhorar e estar disposto a aprender são, na sua opinião, as atitudes certas para que esta nova realidade possa ser encarada sem receio. 

“Não tenham medo de enfrentar os novos desafios, vamos invariavelmente ser empurrados para eles. Quanto mais conscientes estivermos, melhor. Não saber fazer não é um tema que nos diminui, é só uma forma de crescermos, de ganhar competências para fazer a coisa de forma mais eficiente. Há necessidade de adaptações do ponto de vista tecnológico, comportamental, técnico: esse caminho não pode ser feito com medo”, conclui.

No segundo semestre de 2020 Rui Mergulhão Mendes vai iniciar uma série de formações na Domínio Binário. 

Links úteis para conhecer o seu trabalho:

https://www.linkedin.com/in/rui-mergulh%C3%A3o-mendes-775a31aa/

https://eba.edu.pt/personnel/rui-mergulhao-mendes/
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