Mediação Imobiliária e Alojamento Local: segredos para uma boa relação

Os Agentes Imobiliários estão a ver na crise no Alojamento Local (AL) uma oportunidade para potenciar o arrendamento tradicional. Mas será essa a melhor abordagem? Uma especialista em AL explica o que pode melhorar na relação entre os dois setores.

Alojamento Local
Autor: Redação
23 de abril de 2020
Mediação Imobiliária e Alojamento Local são dois dos setores mais afetados pela paragem provocada pela Covid-19. Em comum têm quebras bastante significativas na faturação e fortes limitações ao exercício da sua atividade devido às restrições na circulação, mas também a vontade – e a necessidade – de continuar a fazer negócios.

Com os AL praticamente vazios devido à escassez de turistas, muitos Agentes Imobiliários – também eles com muitas dificuldades para conseguirem vender imóveis - viram na reconversão do AL em alojamento de longa duração uma oportunidade de negócio. 

A oferta de casas para arrendar era escassa e as casas que eram ocupadas por turistas poderiam agora passar a ser usadas por famílias. Na teoria poderia funcionar, mas na prática pode não ser assim tão simples.

A solução encontrada pelos Agentes Imobiliários pode não ter o efeito desejado, diz Carla Costa Reis, Cofundadora da Associação do Alojamento Local em Portugal, fundadora da Turisma e do projeto Alojamento Local Esclarecimentos.  

Depois de ter participado no programa “Imobiliário em direto!”, em que falou sobre este tema, deixou alguns conselhos sobre a melhor forma de fazer com que Mediação Imobiliária e Alojamento Local possam ter uma relação mutuamente vantajosa. 

O que falha na relação entre Mediação Imobiliária e Alojamento Local

“O desconhecimento, por vezes, leva a pequenos equívocos. O que temos visto nos últimos tempos é que ambos os setores estão a passar por desafios e ambos estão focados em encontrar soluções. Como os mediadores imobiliários se posicionam quer na compra e venda de imóveis, quer no arrendamento, na procura de inquilinos e de casas que estejam vazias, aparece como uma solução natural abordarem os proprietários do Alojamento Local para arrendarem as suas casas”, começa por explicar. 

No entanto, essa abordagem parece não estar a ser bem recebida. Carla Costa Reis considera que a mensagem enviada pela Mediação Imobiliária “falha na forma e no conteúdo”. 

A existência de uma base de dados nacional com todos os contactos dos alojamentos locais em Portugal faz com que, diariamente, estes gestores recebam centenas de e-mails anunciando a venda de produtos e serviços. 

Recentemente, os remetentes passaram também a incluir Agentes Imobiliários e a abordagem feita passa por “apresentar no corpo do e-mail uma série de notícias que vaticinam a morte do alojamento local e que depois apresentam a solução milagrosa: o arrendamento é a sua solução”, conta Carla Costa Reis. 

A responsável pelo AL Esclarecimentos reconhece que “este contacto seria bem-vindo se sofresse alguns ajustes tanto na forma como no conteúdo para algo bem mais orientado”.

No que respeita ao conteúdo, considera que é mostrado “pouco conhecimento” sobre o que é a realidade do setor do AL. “Uma das questões principais é que o arrendamento nunca foi um emprego para ninguém, é um rendimento passivo. Um proprietário de um Alojamento Local cria autoemprego, o que quer dizer que ele trabalha efetivamente naquela atividade e não prescinde dela”. 

Carla Costa Reis lembra que “em 70% dos casos são os proprietários que tratam de receber os hóspedes, de preparar o alojamento. Eventualmente contactam alguém para a lavandaria ou para a limpeza, mas isto representa o seu autoemprego”. “É uma atividade que têm aberta e da qual passam recibos e que, ao deixarem e porem no arrendamento tradicional (já não falando dos constrangimentos legais e fiscais que a isso obrigavam) deixam de ter uma ocupação e nem poderão aceder ao subsídio de desemprego porque foram excluídos do pagamento das contribuições para a Segurança Social”. 

Outro ponto diz respeito a questões tributárias. A passagem de AL para o arrendamento tradicional pode não ser vantajosa, já que nem todos os contratos de arrendamento estão isentos das mais-valias de categoria B “que, em muitos casos, podem representar mais do que aquilo que foi o rendimento que efetivamente tiveram em Alojamento Local”. 

Ou seja, antes de fazer a abordagem, há que conhecer a legislação e um pouco da realidade do setor para perceber se a proposta que se vai fazer é realmente interessante para o cliente. 

Como trabalhar as sinergias

Mediação Imobiliária e Alojamento Local podem trabalhar juntos e Carla Costa Reis entende que “estes dois setores, andando de mãos dadas, conseguem beneficiar-se mutuamente”, desde que as especificidades do seu setor sejam tidas em conta pelo Agente Imobiliário.

“O Alojamento Local está muito habituado a trabalhar com comissões. Quando gerimos uma casa ficamos com a comissão daquele rendimento, quando anunciamos uma casa numa plataforma pagamos uma comissão sobre aquele rendimento. Portanto a questão da comissão é uma linguagem que falamos muito bem. Não falamos a linguagem de [o Agente Imobiliário] ficar com um mês de renda, porque não trabalhamos aos meses e tão pouco estamos no mesmo enquadramento fiscal”. 

Carla Costa Reis reconhece que “haja casos em que faça todo o sentido passar para o arrendamento de longa duração, porque o mercado caiu tanto que não vai haver mercado para tanta casa disponível” e dá como exemplo zonas que não são tão apelativas para o turismo, mas que possam ser interessantes para as famílias.

“Não estou a ver arrendamento [de longa duração] nas zonas balneares e nem vale a pena abordar esses proprietários, até porque já têm tradições de ter em arrendamento de curta duração. Mas em ambiente urbano, por exemplo em Benfica, em Telheiras e naquelas zonas que não são tão centrais e turísticas pode ser uma solução”, refere, dando Lisboa como exemplo.

Estas zonas são, assim, bastante mais interessantes para famílias do que as casas nas zonas em que o AL tem uma implantação mais forte. E as razões são óbvias: “Se formos observar a tipologia dos apartamentos dos centros históricos, vemos que não é muito compatível com uma habitação permanente. São casas muito pequenas, muitas delas sem elevador e sem estacionamento ou escolas. Porque não há escolas no centro histórico e o estacionamento quando existe é caro”. Por isso, considera que as propostas para reconversão em arrendamento tradicional “são spam quando se fala de uma casa na Rua da Prata, num 3º andar sem elevador e com 20 metros quadrados”. “É gastar um recurso e é queimar uma ponte”, sublinha.

Há, na sua opinião, uma forma muito mais eficaz de fazer com que os proprietários de AL se interessem pelo que os Agentes Imobiliários têm para dizer: “É preciso direcionar para esse proprietário, fazer um split por zonas, isolar o centro histórico. Contactar esses proprietários e dizer: tenho uma oferta ou procuro alguém que possa ter um apartamento disponível para uma pessoa, para um casal que vai precisar de uma casa durante três meses enquanto a sua casa tem obras ou enquanto estamos a finalizar o processo da compra”.

Será igualmente vantajoso fazer uma oferta: “Dizer que aquela pessoa quer pagar determinado intervalo de valores e procura uma casa com estas características e só enviar a proposta para estes proprietários, fazendo efetivamente uma abordagem prévia de quanto é que estariam dispostos a pagar de comissão”. 

“Isso é muito eficiente, porque as pessoas olham e se não interessar ignoram, mas a verdade é que aquilo não é spam. Aquilo é uma oferta muito concreta e é uma oportunidade de negócio e que se quisessem podiam participar porque o seu imóvel já foi selecionado como um dos potenciais. Isso é muito interessante porque há procura”, considera.

“Facilita muito que o contacto, quando chega ao proprietário daquele Alojamento Local, já seja uma oferta: quer aproveitar esta oportunidade ou não? É uma escolha, já não é uma intrusão, é uma oportunidade de negócio”, reforça. 

Mudar o paradigma

Para Carla Costa Reis é essencial que o Agente Imobiliário possa “sair um bocadinho do paradigma mental de compra e venda e arrendamento” para que possa encontrar outros mercados.

Aponta como exemplo os nómadas digitais, “uma tendência que já tem muita expressão no nosso país e sobretudo nas nossas cidades”. 

“Já existem agências que lhes apresentam pacotes com casas mobiladas e com internet onde podem viver durante esses períodos. Havendo uma abordagem do profissional da mediação imobiliária diretamente para essas empresas encurta muito o caminho e gera um grau de confiança”.

A especialista em AL lembra que o profissional da Mediação Imobiliária “está habituado ao scouting e tem ferramentas para gerir esses contactos e o proprietário do Alojamento Local não tem: “Vamos potenciar as ferramentas de cada um, como as bases de dados, o CRM… nós não temos um CRM com essas características, temos outro tipo de ferramentas que são ótimas para fazer esse tipo de abordagem”.

Na verdade existem várias oportunidades de negócios proporcionados pela Covid-19 e que podem ser vantajosos para ambos os setores. Aponta como exemplo um mercado que parece estar a emergir e que é formado por pessoas que perceberam, durante esta fase de confinamento, que as suas relações não funcionam. Por isso saem de casa e precisam de um espaço temporário, pelo que as casas de AL podem ser uma boa solução.

Mas há mais. “Por exemplo, alguém que está a vender uma casa e a comprar outra. Por vezes há aqueles períodos em que a casa nova ainda está em obras e as pessoas precisam de uma transição”. 

E conta a sua própria experiência: “Tivemos agora uma reserva de três meses completamente inesperada, porque a pessoa precisava de uma casa pronta para entrar no dia seguinte. Isso não se encontra no arrendamento tradicional. Ali está mobilada, tem luz, tem gás, tem internet, tem tudo”.

Ou seja “há um mercado que pode manter ocupados os mediadores, até porque agora não podem andar na rua tudo isto é feito online. É um mercado que está à espera de ser colhido”.  

Conhecer o cliente

Carla Costa Reis entende também que “se o mediador imobiliário puder estar presente nos fóruns onde se fala de Alojamento Local estará mais sensível” para as questões do setor.

“Temos de conhecer o nosso cliente para lhe apresentar uma solução. Toda a gente gosta de comprar mas ninguém gosta que lhe vendam coisas e no espaço AL Esclarecimentos partilhamos diariamente tudo o que são as nossas dores, os nossos segredos, os nossos anseios, as nossas ideias. O simples facto de o mediador estar ali – nem é preciso intervir – de ver uma vez por dia aquele fórum, de ler as principais preocupações e as esperanças daqueles proprietários de Alojamento Local, por si só já é gerador de ideias de negócio”, explica.

E esse conhecimento do cliente pode também ser importante para que o Agente Imobiliário perceba que a sua mensagem pode não estar a ser construída de forma eficaz e até pode ser contraproducente: “Têm aparecido muitas mensagens em que as pessoas desabafam sobre as abordagens que têm recebido por parte dos mediadores imobiliários”, alerta. 

“É preciso ajustar a forma àquele setor em particular, porque muitas daquelas pessoas vieram parar ao Alojamento Local vindas de uma situação de desemprego, da crise e que tiveram de se reinventar. São pessoas que têm muito presente o subir a pulso, que criaram o seu espaço e o seu negócio”, sublinha.

A nuvem negra do arrendamento

E deixa ainda outro aviso: “Quando se está a vender arrendamento a uma pessoa de alojamento local essa pessoa pensa no inquilino que não paga a renda, no inquilino que destruiu tudo e foi embora, na casa que esteve fechada durante dois anos porque tinha lá os móveis do inquilino que não pagou, mas ninguém podia lá entrar porque o tribunal não deixava, que não teve rendimento mas teve de continuar a pagar as contas. Há dias fiz um questionário no grupo e foi unânime: arrendamento nunca mais”.

A solução pode passar por um compromisso, da parte do Agente Imobiliário, em que vai trabalhar para resolver estas objeções: “Ou seja, quando um mediador imobiliário quer apresentar-se como mediador de arrendamento uma das coisas que tem de deixar desde logo evidente é que faz o screening dos seus inquilinos para garantir que o risco de incumprimento não existe. Apresentar o inquilino não como a granada sem cavilha, mas como uma entidade honesta, pagadora, respeitadora do espaço é condição primordial para que não exista logo uma rejeição”.

Carla Costa Reis lembra que no AL “há um investimento de pessoas que receberam indemnizações de despedimentos e aplicaram nestas casas” e reconhece que existe “uma nuvem negra que paira sobre o arrendamento”.

Alem disso, a própria lei do arredondamento, a questão da tributação e o desemprego, sem qualquer tipo de proteção social, para o proprietário do AL, são obstáculos a que aceitem, sem grandes hesitações, passar ao arrendamento de longa duração: “Há famílias inteiras a trabalhar neste setor. 80% do alojamento local em Portugal tem até 3 casas, 70% tem uma. É um ganha-pão, é aquilo que as pessoas sabem fazer”, lembra, salientando também que, para muitos “há o gosto, o brio, o orgulho do trabalho de receber bem as pessoas”.

“Estamos a falar de muito mais do que dinheiro, estamos a falar da vida que as pessoas conseguiram construir após uma crise e é uma situação da qual elas se orgulham muito. Por isso não podemos ir ali dizer que isto não vale nada, para muitas pessoas aquilo representa muito. As pessoas querem dignidade”. 

Por isso, e mais uma vez, realça que a abordagem dos Agentes Imobiliários deve ser feita com cuidado e tendo em conta todos estes fatores. Só assim é possível que se construa uma relação mutuamente satisfatória entre Mediação Imobiliária e Alojamento Local.



Links úteis - AL Esclarecimentos:

Website  - https://www.alesclarecimentos.pt/consultoria/

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