Gestão de tempo em teletrabalho: como conciliar motivação, família e trabalho

A gestão do tempo em teletrabalho é, nos dias de hoje, essencial. Carla Carvalho Dias (CCD), fundadora da Visão Integrada, consultora, speaker e autora, partilha algumas ideias sobre o tema, abordando não só a vertente profissional, mas sobretudo a componente humana e familiar. 

Carla Carvalho Dias (crédito da imagem - Isadora Lum)
Autor: Redação
3 de abril de 2020
Com a nova realidade motivada pela Covid-19, a gestão do tempo em teletrabalho ganhou uma importância acrescida, sobretudo para quem não estava habituada a esta forma de trabalhar. 

O mês de março trouxe mudanças profundas na vida de todos. Os Agentes Imobiliários, habituados a dias agitados e em permanente movimento, viram-se, de repente, sentados em casa a trabalhar em frente a um computador. 

Sem visitas ou reuniões presenciais e com as transações a caírem a pique, o que fazer para tornar útil este tempo? Como gerir expetativas e emoções num período de incerteza? Como evitar a desmotivação? Como gerir trabalho, família e as emoções geradas pela incerteza quanto ao futuro.

Há mais de 20 anos que Carla Carvalho Dias assumiu como missão melhorar a cultura de serviço através de livros e palestras que a levaram a partilhar a sua experiência com pessoas de todo o mundo. Apaixonada pela transformação pessoal e pela cultura das organizações, sabe, como ninguém e por experiência própria, o que é preciso para encarar estes dias com mais tranquilidade. 

Embora o teletrabalho já fizesse parte da sua vida há alguns anos, uma vez que viajava muito e raramente estava, presencialmente, em reuniões no escritório ou com as pessoas com quem colabora, esta nova realidade também a apanhou de surpresa.

No entanto, considera que “uma coisa é teletrabalho sem Covid-19 ou seja, a casa ou o local onde estamos a trabalhar é gerido à nossa maneira. Podemos ir dar uma volta quando nos apetece, ou às compras, podemos parar e ir beber um café e, se temos filhos, durante o dia estão na escola ou na creche”.  O que não é, de todo, o que se passa atualmente.

Gestão do tempo em teletrabalho ou deadlines

Entende, por isso, que “mesmo em circunstâncias normais, o teletrabalho exige autodisciplina e foco e depende demasiado do tipo de personalidade”: “Iremos ter sempre a pessoa que passa o dia a pensar e faz tudo na última hora, a pessoa que planifica tudo a 15 dias ou um mês, e a pessoa que não faz nem uma coisa nem outra”. 

Assim, prefere falar em objetivos e deadlines ou prazos, algo que já é comum na sua empresa há alguns anos: “Os objetivos são estabelecidos e com um timing. A partir daí não estou preocupada em saber se o trabalho é feito de manhã, à tarde ou à noite, na sala ou no sofá! Importante é que esteja feito no deadline acordado e, caso a pessoa não consiga cumprir, avise com tempo. Acredito que a gestão do tempo é tão mais fácil quanto os deadlines que temos ou a que nos propomos”.

No entanto, estes não são tempos normais e o próprio conceito de teletrabalho é alterado pela presença da família ou até pelas incertezas: “Falar de teletrabalho com a casa cheia e com um sentimento de alguma, para não dizer muita insegurança pelo meio, muda o cenário de forma drástica”, afirma, distinguindo também “a pessoa em teletrabalho e com trabalho de facto e a pessoa em ‘teletrabalho’ sem grande trabalho para fazer”.

No entanto, e apesar das naturais diferenças entre cada caso, aponta 3 ingredientes fundamentais para gerir de forma razoável o teletrabalho, sendo que os dois últimos não funcionam sem o primeiro:

  1. Aceitação  

  2. Manter uma agenda

  3. Manter-se ligado


Na verdade, a sua experiência pessoal acaba por ser bastante semelhante à de muitos profissionais da área da Mediação Imobiliária: “Fomos confrontados, de repente, com a ausência de agenda. No meu caso pessoal, em menos de uma semana toda a agenda para os próximos 6 meses a um ano foi cancelada ou adiada. Para quando? Também não sei. Ninguém sabe, aliás. Não por enquanto. Imagino que o mesmo se esteja a passar com muitos Agentes Imobiliários”.

Lembrando que é importante manter na mente que “isto vai passar”, Carla Carvalho Dias reconhece que “nos dias que correm, para muitos de nós, há tempo a mais, o que às vezes se torna um inimigo”: “Damos conta, ao fim de um dia que, além de um bolo ou de lavar a loiça, parece que pouco ou nada foi feito”. 

Por isso, e mesmo que a agenda esteja vazia de compromissos profissionais, há sempre outras opções: “Quando falo de agenda, falo dos tais objetivos. O livro que ando há tanto tempo para ler, a série que gostava de ver e que nunca vi. Falar com Clientes e perguntar se estão bem, se precisam de alguma coisa; o mesmo com os colegas, marcar na agenda aquele FaceTime ou Skype com as várias pessoas da família, ou mesmo fazê-lo de surpresa”.

A ideia, explica, não é “entupir a agenda”, mas, caso sinta necessidade, usá-la para implementar uma rotina, que pode passar por incluir tarefas como arrumar a casa ou pensar na alimentação.   

Já em relação ao terceiro ponto, explica que tem a ver com as relações pessoais e com a necessidade de, em tempos de isolamento, manter contacto humano, mesmo que à distância: “Mantermo-nos ligados implica disciplina em pôr na agenda as pessoas a quem queremos ligar ou mandar mensagem ou email, acima de tudo para saber se estão bem, e, se aplicável, se podemos ajudar”.

O que podem fazer os Agentes Imobiliários? 

No caso concreto dos Agentes Imobiliários, a adaptação a esta nova realidade pode ser ainda mais difícil, uma vez que são profissionais pouco habituados a estar em casa. Algo que compreende: “Falo com conhecimento de causa. Não me lembro quando foi a ultima vez que passei uma semana seguida em casa ou a pernoitar em casa. De repente estou há 3 semanas em casa”, revela.

Apesar de se identificar com esta situação avisa que “não há uma fórmula estilo one size fits all”.

“É precisamente aqui que entra a aceitação”, explica, adiantando: “Estamos a ser inundados de fórmulas sobre como entreter as crianças, como pôr a leitura em dia, como fazer exercício online, etc... Note-se que considero todas estas sugestões muito úteis e já segui algumas delas. Apenas defendo que o facto de estas sugestões serem úteis ou não depende do estágio em que nos encontramos”.

“Por mais que queiramos rapidamente ter toda a gente com energia e ideias e a trabalhar com energia e motivação, isso vai acontecer em alguns, mas não em todos nós ao mesmo tempo”, alerta.

“Tudo aquilo que estamos a passar com a Covid-19 foi, e está a ser, um choque. E, perante um choque, é fundamental conhecermos o processo pelo qual passamos do ponto de vista emocional, quer queiramos, quer não. A diferença estará no tempo que cada um de nós demora a passar cada uma dessas fases. Ou quantas vezes a pessoa irá repetir o ciclo”, explica.

Carla Carvalho Dias recorre à analogia de alguém que foi despedido: “Quando um individuo é surpreendido com um despedimento, é exposto a um choque. A partir daí, muitas coisas passam pela nossa cabeça e é frequente alguns amigos ou familiares correrem a dar sugestões e indicações como, por exemplo ‘Manda o curriculum já para aqui’ ou ‘Liga para este número”.

“Muitas são também as vezes que ouvimos as pessoas a dizer, em jeito de julgamento, ‘Não faz nada!  Foi despedido, já lhe dei contactos e ainda não mandou um único CV’. A aceitação de que falo entra, precisamente,  aqui. Se conhecemos as fases do luto, é mais fácil perceber o nosso estado. Se percebemos o nosso estado e aceitarmos, a probabilidade de o ultrapassar mais rapidamente é maior”, prossegue. 

Assim, entende que é essencial “aceitarmos o nosso estágio e o dos outros”. 

E, para exemplificar estes estágios, recorre às fases do luto, algo que estudou, há mais de 16 anos,  quando fez a certificação de coaching e que, com as devidas diferenças, pode ser usado nesta fase. As quatro fases, podem, segundo a especialista caraterizar-se da seguinte forma: 

  1. Negação: não acreditamos no que nos está acontecer. "Isto não é verdade!"; "Não pode ser. É mentira". "Isto não é nada!"

  2. Raiva: ficamos com raiva, de facto, da situação. "Não é justo!"; "Eu não merecia isto"; "O mundo é uma vergonha!"

  3. Negociação: já que temos mesmo que levar com este choque, então queremos contrapartidas. "Não posso trabalhar, mas posso ir à praia!"; "Se posso passear o cão, então vou passear o cão ao Algarve" (exagero um pouco este ponto para ajudar a perceber uma parte dos comportamentos a que ainda vamos assistindo)

  4. Depressão: ficamos muito tristes com o que se está a passar, tendemos a baixar os braços. "Estou tão triste que não vale a pena!"; "Não posso fazer nada. Estou de rastos"; "Para que vestir e tomar banho? Estou sem ânimo, sem força"


Curiosamente, nota, este processo “tem uma curva invertida em relação às curvas que já nos habituamos a ver da pandemia, isto é, começa lá em cima e desce. Desce até começar a subir. A nossa energia, pura e simplesmente, ou não existe ou é muito muito baixa”.

Ultrapassadas estas quatro etapas, começa então a surgir a aceitação, altura em que as sugestões para ultrapassar a situação começam a ser acolhidas.

“Estamos capazes de fazer qualquer coisa. Já ouvimos o que os outros nos sugerem de outra forma”, descreve, apontando também algumas mudanças no próprio discurso:   “Vai ficar tudo bem!"; "Vou dar a volta"; "Ler parece uma boa ideia".”

Manter a motivação na incerteza  

Como manter a motivação nesta fase? Será que o teletrabalho pode contribuir para aumentar o desânimo? “Acredito que o que nos tira a motivação não é o teletrabalho, mas sim a dúvida sobre se há trabalho, qual trabalho. A dúvida e a incerteza do quando e como se vai passar alguma coisa. Tudo isto tem impacto na nossa motivação individual”, considera.

Carla Carvalho Dias deixa uma dica, com base num dos livros de Daniel Pink (“Vender é Humano”): “Todos nos conseguimos motivar se tivermos um propósito pessoal. No meu caso concreto, o propósito que encontrei foi ajudar pessoas à minha volta (um email a todo o condomínio a disponibilizar-me às pessoas mais idosas, um telefonema a várias pessoas que não sabia se precisavam de ajuda ou não; vários telefonemas de sensibilização) e às empresas minhas Clientes e não Clientes nesta fase. Isso dá-me motivação para me sentir útil. Motiva-me chegar ao fim do dia e pensar: hoje contribuí positivamente para fazer a diferença na vida de alguém ou várias pessoas”.

Por outro lado, e até porque esta é uma situação nova, qualquer pessoa pode estar, inconscientemente, a cometer erros, quer em termos de gestão de tempo, quer na forma como organiza a própria vida durante este período. 

Qual é a principal “armadilha” em que podemos cair? “É enganarmo-nos a nós próprios, encontrando justificações que nos dão paz. Essas justificações só aparecem se nos recusarmos a conhecer e aceitar o estágio em que nos encontramos. Se estou num estágio de raiva ou mesmo de ‘depressão’ e insistem comigo em fazer coisas e mais coisas, muitas vezes finjo que as fiz, só para não ser julgado”, explica.

“Uma armadilha muito presente – e das pessoas com quem tenho contactado - tem que ver com o facto do estágio dos vários elementos da família não serem idênticos. Se numa família um elemento já ultrapassou e outro ainda está em negação, por exemplo, não só podemos ter a armadilha da discussão como podemos ter a armadilha do autoengano”, conta.

E dá o seu próprio exemplo:  

“O meu marido, piloto, rapidamente reviu a sua rotina e iniciou um plano rigoroso de treino em casa, inscreveu-se num curso online e assumiu parte das tarefas da casa. 

Eu, por outro lado, precisei de o meu tempo de recolhimento, tempo para ficar simplesmente parada a pensar, a ver as notícias, a inteirar-me das movimentações internacionais, etc. Por outras palavras, passei mais de uma semana em frente ao computador, a tomar notas, a tratar de um ou outro tema importante e a tratar de organizar as refeições da família.

Se a estes dois elementos juntarmos dois rapazes, um no 12º ano e outro no 7º, asseguro-vos que o mais velho já passou as várias fases várias vezes. A incerteza de como vão ser os exames, quais vão ser as notas, como será com a faculdade, etc..

Felizmente que, desde antes do primeiro dia de recolhimento, falamos entre nós sobre essa necessidade de aceitar o estágio de cada um”.

E foi desta forma que a sua família lidou com o confinamento: 

  1. Estabelecemos regras básicas da casa de forma a respeitar as várias vontades. Partimos de uma base só: objetivos e timings

    Um exemplo concreto: Os quartos têm que ser arrumados e quem usa a sala deixa-a pronta todos os dias antes do jantar. Os rapazes optaram por arrumar o quarto no final das atividades do seu teletrabalho. Nós preferimos fazer essas tarefas de manhã. Seja como for, ao fim do dia os quartos estão arrumados, seja qual for o timing.

  2. Quando alguém tem uma conference call só precisa de avisar os outros para não ser interrompido. Se for preciso interromper, e como os tempos são de exceção, podem fazê-lo, sempre! Só o cachorro não cumpre com a regra!

  3. Quando um dos quatro está com o moral ou o humor mais em baixo, temos responsabilidade de aceitar. Ponto final!

  4. Colocar o despertador de 2ª a 6ª feira. Fim de semana é para dormir sem despertador.  


Conselhos e partilhas 

Carla Carvalho Dias não quis deixar conselhos e preferiu falar em partilhas. Neta e filha de marinheiros, continua a ter na família primos que também passam longos períodos no mar. 

“Deixo a partilha de um email, que o meu primo (Frederico Carvalho Dias, físico e investigador), que tanto estimo e admiro, partilhou com todos nós (primos):

Preparem-se mentalmente. As próximas semanas serão provavelmente muito duras psicologicamente. Está estudado que quando as pessoas vivem num espaço confinado a saturação começa a ser atingida ao fim de mais ou menos 15 dias; é quando começam as zaragatas pelos motivos mais idiotas (e que nos envergonhariam em condições normais); nos primeiros 15 dias até é "giro", porque é novidade. Não se iludam, é mais fácil escapar ao vírus do que a esta dinâmica.

Aprendi o truque para vencer isto com os profissionais nas muitas vezes em que, por razões de trabalho, andei embarcado nos navios da Marinha Portuguesa (o máximo foi quase um mês no meio do Atlântico, muito mais próximo do Canadá do que dos Açores):

  • ser tolerante e compreensivo com as "manias" dos outros;

  • manter as rotinas, aprumo e hábitos de limpeza e higiene: acordar sempre à mesma hora, fazer a cama/arrumar o quarto etc., estudar e ter tele-aulas ou estar em teletrabalho durante as horas normais; fazer as refeições em conjunto e nas horas normais e habituais; manter-se em forma; ter horas de lazer; "dar espaço" aos outros durante as horas de lazer (a quem necessitar); respeitar a privacidade dos outros; repousar.  


Por último, e para que as próximas semanas possam ser encaradas com a tranquilidade necessária para que não falte energia quando tudo voltar ao normal, Carla Carvalho Dias deixa uma dica: “Parar, respirar e sentir a respiração. Podemos até chamar-lhe meditação ou dar-lhe outro nome, se o fizermos um minuto por dia, asseguro que ajuda, MUITO. Há inúmeras aplicações gratuitas nesta fase para que possa fazer-se de forma guiada ou acompanhada. Se nunca experimentou, Atreva-se!”. 

Na próxima terça-feira, dia 7, às 11h00, Carla Carvalho Dias vai estar em mais uma edição do “Imobiliário em direto!” para uma conversa sobre a gestão de tempo. Assista à conversa no Facebook no grupo Centralimo (... para Profissionais do Imobiliário) e coloque as suas questões.

(crédito da imagem - Isadora Lum)
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