Anunciado em fevereiro e suspenso devido à pandemia, o fim dos vistos gold em Lisboa e Porto deve avançar até ao final de 2020. Qual o impacto que terá num setor já penalizado por um ano com quebras de faturação? Uma agente imobiliária que conhece o mercado do Porto dá a sua perspetiva sobre o tema.
Edite Simões, da Remax Oceanus, conhece bem o mercado imobiliário do Porto e tem também experiência com clientes que procuram, através do investimento imobiliário, uma autorização de residência em Portugal.
Embora admita que o peso do mercado de vistos gold é menor no Porto do que em Lisboa, até pela própria dimensão da cidade, diz que esta é uma realidade importante na Invicta. Reconhece, por isso, tal como muitos colegas, que não esperava que, “dada a questão da COVID, a lei prevista para terminar com os vistos gold nestas zonas de maior densidade populacional” avançasse agora.
Recorde-se que a medida foi aprovada na especialidade na sequência de uma proposta de alteração ao Orçamento do Estado para 2020, ainda antes da pandemia. Foi suspensa durante esse período, mas deverá entrar em vigor até ao final do ano.
Viagens proibidas e esperar para ver
“Faria sentido talvez esperar mais um pouco porque a COVID impediu uma série de viagens que estavam planeadas”, diz Edite Simões, apontando alguns exemplos: “Tive clientes que cancelaram viagens e que vinham com o objetivo de vistos gold e que ainda nem sequer conseguiram viajar. Os poucos que estamos a conseguir trabalhar são situações muito pontuais. Por exemplo, uma pessoa que tem dupla nacionalidade e que quer o visto para a mulher, portanto, ele viajou e ela não. Tenho outro cliente norte-americano que está a morar em Espanha mas conseguiu vir”.
A agente frisa que “é muito difícil comprar um imóvel sem o ver”. E há mais razões para que, na sua opinião, este não seja o melhor timing para uma decisão que vai diminuir o investimento no país: “Este não foi um ano normal por vários motivos, tanto que, por um lado, inibiu os clientes de fazerem as deslocações que estavam planeadas para verem os imóveis com esse objetivo. E, por outro, acho que o país precisaria ainda de mais um bocadinho de oxigénio para compensar um ano que foi bastante diferente do que se esperava”.
Nos últimos meses a agente assistiu a uma retração por parte dos investidores nacionais, pelo que acredita que “os investidores externos iriam colmatar essa situação”. “Tenho muitos clientes que estão na fase wait and see. A pessoa que tem dois filhos e espera o terceiro e precisa de uma casa maior não vai ficar à espera para ver, porque precisa. Os investidores portugueses preferem esperar para ver e os externos poderiam, durante 2021, por exemplo, se a lei se prolongasse por mais um ano, equilibrar um bocadinho a balança, porque eles não vieram porque não puderam, não porque não quisessem”.
Lembra mesmo uma situação concreta em que “o advogado tentou argumentar para conseguir autorizações de voo com a compra do imóvel para efeitos de vistos gold e a resposta foi que, como um imóvel se pode comprar por procuração, a presença do comprador não é essencial ao negócio”. “É complicado, porque não é uma peça de roupa que se manda vir pelo correio e se não gosta do tamanho devolve”, argumenta.
Desmontar dos argumentos que levaram à lei
Terá o fim dos vistos gold em Lisboa e no Porto um impacto nos preços? A agente não acredita e explica porquê: “Li, até para poder informar os meus clientes dentro do que é possível, as propostas de lei que foram feitas. O que alegam como argumentos principais para vedar o visto gold é que há o risco de entrada de criminosos de colarinho branco em Portugal”. Um argumento que rejeita, lembrando que “a triagem está mais apertada”. “Se um cliente morou nos últimos anos em mais do que um país precisa de trazer o registo criminal dos países onde morou. As pessoas não têm noção do que é necessário em termos de documentação de um cliente para se candidatar. Acho que a maior exigência a esse nível aumentou e tem de aumentar, porque não queremos importar criminosos”.
Outro argumento com que não concorda é a questão da inflação dos preços nos centros de Lisboa e do Porto: “A minha opinião - que pode ser corroborada com números – é que não foi o visto gold que impulsionou os valores, porque não tem uma representatividade assim tão grande no bolo total do negócio”.
Na sua opinião, “o que terá impulsionado [os preços] foram os Airbnb”. E dá como exemplo o que se passou no Porto: “Casas inteiras que eram uma moradia unifamiliar com dois ou três pisos foram transformadas em três pisos com seis apartamentos e entraram no mercado do AL. Aqui, a Câmara bloqueou de alguma forma algumas situações, porque obrigou a que frações muito pequenas tivessem que ter estacionamento e então já começaram a obrigar a que estas frações fossem um bocadinho maiores e sirvam para outra coisa para além de AL”. “A culpada é sempre a lei da procura e da oferta e os preços no Porto estavam muito abaixo daquilo que esta cidade tinha para oferecer. Se andarmos uns anos para trás, o Porto estava abaixo de Coimbra, abaixo de Aveiro e não fazia sentido”, defende.
Edite Simões, diz que, no seu caso, o mercado dos vistos gold “tem peso, mas não é o pilar fundamental” do seu negócio. São clientes que lhe têm surgido por referenciação e, dado o atual contexto, poderão nem chegar a concluir negócios. “Neste momento estou a trabalhar vários, alguns que poderão vir a ser adiados para o ano ou não, porque estou à procura de um plano B para arranjar algo em territórios de baixa densidade populacional”, revela.
As motivações para os vistos gold
E, numa altura em que os vistos gold voltam a ser falados, a agente considera importante que se conheçam as motivações de quem está disposto a investir para ter nacionalidade portuguesa: “Pode ser a oportunidade de os filhos, que agora são pequenos, virem estudar para uma universidade europeia, pode ser um cliente de Hong Kong que quer ter um plano devido à situação com a China, ou um cliente que quer reformar-se, vir para a Europa e escolheu o nosso país para passar metade do ano. E, neste caso, se não for visto gold pode ir por outra via, pelo visto da residência”.
“Às vezes as pessoas acham que o visto gold é só comprar uma nacionalidade para poder circular no espaço Schengen, mas há muito mais para além disso”, diz.
Os números
Os vistos gold, oficialmente conhecidos como Autorizações de Residência para Atividade de Investimento (ARI), não englobam só os investimentos imobiliários, mas foi através desta vertente que se tornaram mais conhecidos, até porque foi esta a opção mais popular entre investidores. E será também esta a única opção a sofrer alterações, deixando de ser válida nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.
Assim, os investimentos imobiliários de cidadãos estrangeiros terão de ser feitos nos municípios do interior ou nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira.
A APPII (Associação Portuguesa dos Promotores e Investidores Imobiliários) já se manifestou contra, alegando que a medida vai acabar com muito do investimento estrangeiro. A APPII argumenta que o programa “é gerador de riqueza, criador de
postos de trabalho e decisivo na hora de investir”.
No comunicado divulgado a 7 de outubro foram anunciados alguns números:
• 94% dos vistos gold concedidos desde o início do programa foram direcionados para o investimento imobiliário; destes,
88,6% foram direcionados para a aquisição de imóveis acima de 500
mil euros;
• 97% do investimento daí decorrente foi para o litoral do país;
• Em 2019 representou 700 milhões de euros em receita para o Estado em impostos diretos;
• Existe desde 2015 uma discriminação positiva em que é aplicada uma redução de 20% para investimentos localizados fora do
litoral e dos grandes centros urbanos;
Segundo os dados do SEF, em 2020 o investimento captado pelos vistos gold foi de 496 milhões de euros, o que corresponde à atribuição de 915 vistos gold.
Links úteis:
Autorização de Residência para Atividade de Investimento (ARI)